domingo, 26 de julho de 2009

Meu professor inesquecível...



DEIXANDO MARCAS...


Existe uma música do Nando Reis que diz “é bom olhar pra trás e admirar a vida que soubemos fazer, é bom olhar pra frente...”. Nunca tinha pensado na motivação da minha escolha pelo magistério. Nem sei se escolhi isso, mas sei que isso me escolheu... Percebo que às vezes deixo as coisas acontecerem e me senti feliz quando fui convidado para dar aula na faculdade onde me formei.
Quando criança, nunca dei trabalho para meus professores. Sempre fui um aluno aplicado, fazia meus deveres sozinho, não batia em ninguém e nem dava motivos para que me batessem, tirava ótimas notas, era amigo da turma. Gostava de aprender coisas novas e me dedicava aos estudos.
Concordo que assim como qualquer criança, já tive meus momentos de “euforia”, que me renderam belos castigos inesquecíveis: certa vez tive que escrever cem vezes a frase: “não abras a boca sem que tenhas certeza de que tuas palavras serão mais belas que o silêncio” e outra vez escrevi duzentas e cinqüentas vezes a frase: “a boa educação é como uma moeda de ouro. Em toda parte tem valor!”. Talvez, como aluno, eu não tenha sido tão bom assim e não acho que isso seja mau. Como Terapeuta Ocupacional e professor universitário, hoje reconheço que todas as crianças passam por distintas fases em seu desenvolvimento e ser sempre o certinho pode ser um desvio.
Fiz meus primeiros anos escolares em uma escola estadual na cidade de Lamim, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Lá pude aumentar minhas amizades, passar várias tardes estudando e brincando. Nunca achei estranho ser vizinho ou saber da vida particular de meus professores. Sempre tive um grande respeito por todos e me lembro de cada um. Gostava de alguns e cheguei a odiar com muita força outros...
Lembrar de um professor inesquecível é lembrar da Dona Maria Antônia (é como a chamávamos. Nada de tia!). Era vizinha da casa da frente. Morávamos na mesma pracinha do coreto e sempre a via saindo para dar aulas com sua pasta e uma régua de madeira grande que ela usava para explicar o que passava no quadro e às vezes bater com força em cima da carteira de alguém que estava meio “eufórico”.
Sempre gostei de ficar sozinho, passava horas e horas brincando comigo mesmo, conversando com amigos imaginários, inventando longas histórias. Nunca fui uma criança que gostasse de praticar esportes, sempre detestei o futebol e esta não era mesmo minha vocação. Gostava de escrever redações sobre qualquer tema, de fazer desenhos e dobraduras e sinto que fui respeitado e estimulado pela Dona Maria Antônia em todos esses aspectos.
Alguns professores já chegaram a me obrigar a jogar futebol na aula de Educação Física. Ninguém sabe o sufoco que eu passava. Por vários motivos... Eu sabia que iria passar vergonha, sabia que iria fazer o time que eu estava perder e que não iria correr atrás de bola nenhuma. Eu passava as noites de quarta e quinta rezando muito para chover e a quadra se encher de água para que o futebol fosse cancelado. Mas nem sempre Deus ouvia minhas orações e eu era obrigado a ficar em pé no meio da quadra! Hoje entendo que os professores que agiram desta forma, me obrigando a jogar futebol, não estavam preparados para lecionar e tiro eles como exemplo de professores que não quero ser.
Sempre soube que eu não moraria em Lamim. Queria algo além daquilo, queria continuar meus estudos, sair dali. Uma forma de fugir? Não sei. Lembro-me também quando fiz uma redação sobre minha cidade e ao contrário de todos os meus colegas de turma, escrevi observando todos os defeitos possíveis. Para minha surpresa, não fui repreendido pela Dona Maria Antônia. Ela apenas me perguntou se eu realmente pensava aquilo e respeitou minhas opiniões. Isso é professor!
Também passei por momentos difíceis que envolviam o alcoolismo na minha infância. Era difícil compreender que isso é uma doença e que às eu precisava entender. Lembro-me de uma vez em que a Dona Maria Antônia pediu que fizéssemos um trabalho plantando uma muda de flor. Cuidei da minha durante todo o período de aula, e tive a idéia de oferecer a flor que eu havia cuidado para minha professora no fim das aulas. No fim do ano, quando voltei com a flor para casa para trocar de vaso e oferecer de presente, acabei pegando a garrafa de cachaça que encontrei escondida debaixo de um armário em casa e jogando toda a cachaça na plantinha, dando a desculpa que eu havia confundido com água. Meu coração doeu de ver a flor morta e não tive este presente para oferecer. Mas fiz um cartão, joguei na escada da casa dela e tudo se resolveu.
Professores inesquecíveis deixam suas marcas para sempre em nossa personalidade. Marcas boas, vivas. Pelo menos pra mim foi assim. Não tenho costume de ficar recordando o passado, mas é confortante e gostoso fechar os olhos e me transportar em pensamentos para minha infância. Sentir o cheiro de terra, de grama, cheiro de cadernos, de massa de modelar, de bolo quente saído do forno, de biscoitos de polvilho. Dá saudades das brincadeiras, das amizades e até do medo de não saber escrever frases usando palavras com cedilha! Ah, como eu achava isso difícil!
Dona Maria Antônia me marcou. Me mostrou que professores não são apenas pessoas que ensinam português, ciências, matemática... Vai muito além... Hoje posso falar que fui muito valorizado por ela. Sentia que eu era muito capaz. Que não sabia jogar futebol, mas era inteligente, sensível e sabia como ninguém (exceto a Andréa, que era a aluna melhor em tudo!) escrever redações e colocar meus pensamentos em desenhos e textos.
Não esqueço de uma aula em que Dona Maria Antônia chegou pela porta muito empolgada porque tinha achado no caminho para a escola algo que achou ser um ovo de passarinho e levou para todos nós alunos vermos. Guardado com cuidado dentro de sua mão, o que lembrava um ovo começou a se derreter e vimos juntos que se tratava de uma bala de amendoim! Claro, que mais uma oportunidade de fazer uma bela redação surgiu do acontecimento!
Assim é a vida, cheia de histórias, recheadas de fatos inesperados, de cheiros bons e de pessoas marcantes. Hoje minha profissão me permite também deixar marcas em meus alunos e pacientes. Interferir em um processo na vida de outra pessoa, mesmo que seja em sua aprendizagem, é um papel muito importante e que não é, de forma alguma, para qualquer profissional. Disso Dona Maria Antônia e eu sabemos muito bem...
Por: Afonso Júnior da Silva

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